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Interdisciplinaridade: mais contexto e significado ao aprendizado

7 de agosto de 2020

Por Naila Okita Shimizu

Compreender o mundo é um dos anseios mais antigos do Homem. Dividir o conhecimento em diversas áreas do saber (vide box ao final da matéria) foi uma das maneiras encontradas para estudar a realidade. Atualmente, algumas dessas áreas integram o currículo escolar, como Língua Portuguesa, Matemática, História, Física etc. Cada uma abrange um conteúdo bastante específico (não se estuda Teorema de Pitágoras em Geografia, por exemplo), mas no aprendizado existe o conceito da interdisciplinaridade. Um projeto interdisciplinar ocorre quando duas ou mais disciplinas dialogam entre si para dar significado a um objeto de estudo.

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É o famoso “quando vou usar isso?” que muitos alunos questionam. Uma informação isolada pode parecer sem utilidade prática, mas quando as disciplinas se juntam para explicar um fenômeno, o estudante aplica os diversos conhecimentos construídos e o ensino se aproxima da realidade vivida por ele, ganhando mais sentido e contexto.

No Centro Educacional Pioneiro, entendemos que as disciplinas coexistem e, portanto, devem ser trabalhadas em suas especificidades mas também entendidas como um todo. “O pensamento interdisciplinar torna o saber mais complexo e o aproxima da realidade”, comenta o coordenador de Humanidades Mário Fioranelli Neto. “Os saberes se articulam em uma troca fluida e sem barreiras entre si, de tal forma que as aprendizagens acontecem integradas e conjuntas.”

Na prática
Um exemplo foi o Aulão “Os desafios reais no Ensino Superior pós Pioneiro e Pandemia”, oferecido em julho aos alunos a partir do 9º ano. Para discutir a questão, uma disciplina só não daria conta, já que é uma problemática que exige um entendimento mais amplo do que uma área de conhecimento consegue proporcionar. Nesse caso, foram muitos os olhares convidados para discutir o tema: o professor Michael dos Santos, de História; Júlia Rowies, pedagoga da Educação Infantil; Iara Rosa, professora de Geografia; a nutricionista Cristiane Sumida; a ex-aluna do Pioneiro e agora estudante de Rádio/TV/Internet Lívia Hiakuna; e Edson Moraes, consultor e diretor executivo financeiro da Fundação Instituto Educacional Dona Michie Akama. Muitos outros poderiam integrar a mesa, já que a questão permite muitas interpretações. A opção por trazer vozes de diversas áreas foi para ressaltar a complexidade do assunto. “A interdisciplinaridade opera como uma forma de agregar conhecimento recorrendo a áreas distintas, possibilitando assim uma visão mais geral do todo (ou seja, uma visão totalizante das múltiplas esferas da vida)”, explica o professor Michael dos Santos.

Aulão sobre desafios pós Pioneiro

Os 7ºs anos também tiveram uma experiência interdisciplinar muito interessante nos últimos meses. O projeto “Indígenas no Brasil” uniu professores de História, Artes, Música e Geografia para levantar a reflexão sobre a situação atual dos povos indígenas em território nacional. Reflexão essa que não pode se dar só a partir do ponto de vista histórico, ou demográfico, ou cultural, mas sim da convergência de todos esses saberes ao mesmo tempo. Leia mais sobre o projeto aqui.

Live sobre Indígenas no Brasil

Benefícios
Ao perceber que os fragmentos de saber de cada disciplina fazem parte de um todo comum, o estudante tem um olhar mais completo e significativo do conteúdo estudado. O professor de História Renato Luginick Ranieri aponta que a interdisciplinaridade possibilita um maior engajamento do aluno, além de um certo encantamento pelos temas. “Quando os professores e professoras aparecem juntos(as) em aula, conduzem um projeto único, avaliam conjuntamente e participam do processo de aprendizagem de maneira coletiva, mostram que a produção do conhecimento não está engavetada, mas faz parte de um todo”, analisa Renato. “Além disso, os desafios de trabalhar em grupo de forma interdisciplinar são diversos: lidar com as diferenças, estimular a criatividade, conhecer e reconhecer sua própria aprendizagem, lidar com uma quantidade grande de informações, autoavaliar-se, criar uma ‘narrativa’ própria com começo, meio e fim”, reflete.

Mário concorda com o colega. “Para os alunos e as alunas que são atores desse processo, junto com a mediação dos(as) professores(as), o muro da escola já não é mais uma barreira. Nossos(as) alunos(as) tornam-se cidadãos que refletem, pensam e criam o presente, e não somente o futuro.”

Para saber mais
A busca pelo conhecimento acompanha a história da Humanidade, e dividir os saberes em áreas também é uma estratégia que data de muito tempo atrás. Já na Grécia Antiga, a divisão dos estudos em “artes” e “ciências”[1] possibilitou desmembrar as temáticas de ensino em assuntos como Retórica, Gramática, Antropologia, Dialética etc.

No século XVII, o filósofo francês René Descartes afirmou que a melhor maneira de entender algo consistia, entre outras etapas, em “dividir cada uma das dificuldades que tivesse de abordar no maior número possível de parcelas que fossem necessárias para melhor as resolver[2]”. E é esse método cartesiano que norteia até hoje o conceito do conhecimento dividido em disciplinas.

Conexão
Ao mesmo tempo em que as especificidades de cada disciplina permitem um maior aprofundamento de cada assunto, é importante lembrar que o saber fragmentado distancia e cria barreiras entre conhecimento e realidade. Nos anos 50, o biólogo suíço Jean Piaget deu luz à reflexão de que essas divisões do saber não dão conta de explicar a realidade, uma vez que o conhecimento, segundo ele, acontece na interação sujeito-objeto. “No mundo real (no mundo vivido) não há dissociação entre sujeito e objeto, porém essa dicotomia (que pode ser expressa em diversos pares, como humanidade/natureza) formulada por Descartes predomina na forma de estudar e produzir conhecimento”, explica Mário Fioranelli Neto.

Pensemos em um exemplo de linha de produção de uma camiseta. O que significa saber fazer uma roupa? Antigamente, alfaiates e costureiras, que trabalhavam sozinhos, tiravam as medidas do cliente, escolhiam o tecido, cortavam, costuravam, faziam os ajustes e finalizavam. Em uma linha de produção, imaginando ainda a não automatização do processo, teríamos alguém encarregado de preparar o tecido, outro de marcar e cortar, depois uma outra pessoa para costurar e talvez uma última para fazer os ajustes. No segundo caso, em que houve a divisão de tarefas e, consequentemente, a especialização de cada etapa, não podemos dizer que esses profissionais, embora muito bem capacitados cada um em seu ofício, saibam fazer uma camiseta. Eles detêm parte do conhecimento mas seriam incapazes de fazer uma peça sozinhos. Já as costureiras e alfaiates têm uma visão global do processo, e podem com mais confiança afirmar que sabem como fazer uma roupa.

A reflexão que se segue é como a escola pode dar conta de, ao mesmo tempo, ensinar os conteúdos específicos de cada disciplina e também dar sentido, em um contexto real, a todos eles. Nos dias de hoje, cada vez mais se tem necessidade de uma articulação entre as áreas, visto que os problemas são globalizados. “Nossas escolas ainda operam com a fragmentação do saber por disciplinas, que inevitavelmente distancia conhecimento e realidade. Ocorre que a complexidade e a velocidade que a sociedade se (re)organiza traz sobre a escola uma reflexão existencial, que leva à uma crise que propõe a superação dessa dissociação que Edgar Morin denominou como o ‘grande paradigma do Ocidente’[3]”. Uma das respostas seria a interdisciplinaridade.


[1] Artigo “A fragmentação do conhecimento e suas implicâncias para a educação e a medicina”, do VI SINECT –  Simpósio Nacional de Ensino de Ciência e Tecnologia

[2] DESCARTES, René. Discurso do Método (ou Discurso Sobre o Método)

[3] Em “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro”, de Edgar Morin

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