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Pesquisadora conversa com alunos do 1º Médio sobre moda

24 de julho de 2020

Maria Claudia Bonadio, professora e pesquisadora de moda, bateu um papo com estudantes do 1º ano do Ensino Médio e concedeu entrevista ao site do Pioneiro

No início de julho, os alunos do 1º ano do Ensino Médio tiveram a oportunidade de conversar com a professora e pesquisadora Maria Claudia Bonadio, da Universidade Federal de Juiz de Fora. Ela é autora do livro “Moda e sociabilidade: mulheres e consumo na São Paulo dos anos 1920”, utilizado pela turma como referência para uma reflexão sobre moda como poder de status social no Itinerário Formativo – Cidades e Conexões.

Além de lerem parte da obra, os alunos contaram com outros suportes de pesquisas e montaram, individualmente, uma apresentação sobre o tema para a disciplina de História (veja exemplos abaixo). Utilizaram vídeos e imagens de propagandas atuais ou antigas.

A convite do professor de História Renato Luginick Ranieri, Maria Claudia discutiu temas como consumo exagerado, fast fashion e crescimento do número de shopping centers nas cidades.

Ao site do Centro Educacional Pioneiro, ela concedeu uma entrevista exclusiva explicando a moda como forma de expressão/identidade de grupos dentro da sociedade e como ela pode atuar reforçando estereótipos.

Pioneiro – A moda pode ser considerada como uma linguagem, um meio de expressão?
Maria Claudia Bonadio – Sim, e ela é um meio de expressão muito importante. Mas ela só funciona se tiver um público consumidor. Às vezes as casas de costura lançam produtos que viram encalhe porque não dialogam com os anseios do consumidor naquele momento.

Maria Claudia Bonadio

É importante ressaltar que vivemos numa sociedade profundamente fragmentada em termos de moda. Não existe uma moda predominante, mas diversas modas. Por exemplo, há uma moda jovem voltada para quem gosta da cultura hip hop. Há também uma moda de luxo. Existe o mercado de moda para quem é do funk etc. Alguns serão mais autênticos, outros talvez não tenham tanta relevância como expressão.

Mas pensemos no movimento punk, por exemplo. Não se trata somente da música, mas também do vestuário. Ele surgiu na Inglaterra dos anos 70, com jovens que viviam às margens da sociedade. Pertencentes à classe operária, cujos pais trabalhavam em fábricas, quando chegavam na idade de ir para faculdade, eles sabiam que não conseguiriam entrar numa boa universidade e sentiam-se desprezados pela sociedade. Então eles devolveram esse desprezo através de uma estética bastante contestadora e agressiva. Surgiram aí os jovens com calça rasgada, com alfinete, que usavam no pescoço aquelas cordinhas de metal de puxar descarga ou cadeados. Vestiam, muitas vezes, camisetas customizadas com frases de impacto bastante agressivas e o cabelo espetado para causar um choque visual. Eles subverteram elementos que não eram para o vestuário. E tudo isso funcionou porque chamou muita atenção da imprensa.

“Os jovens começam a usar roupas usadas que de alguma maneira quebram a hegemonia da moda. Mas depois a moda vai lá e transforma a roupa de brechó, comprada fora do sistema, em moda.”

Estou falando do punk mas poderia falar de muitas outras coisas. A roupa pode aproximar ou afastar. Se eu uso uma camiseta de banda que eu gosto, isso não vai causar espanto a ninguém, mas um outro fã da mesma banda pode eventualmente vir conversar comigo, vai sorrir quando me vir. Isso serve também para times de futebol e uma série de outras expressões.

Pesquisadora conversa com alunos e professores do Pioneiro

Mas essa força de expressão também é muito fluida, porque ela pode mudar ao longo do tempo. Peguemos o exemplo do moicano dos punks. Era um sinal de rebeldia na época. Tinha um significado muito diferente do penteado moicano que os jogadores de futebol como David Beckham ou Neymar utilizaram um tempo atrás. Eles não tinham mais a intencionalidade de quebrar as estruturas da sociedade, provavelmente muitos dos jogadores que adotaram o penteado na mesma época não tinham nenhuma conexão com o movimento punk.

Então é importante lembrar que uma moda que expressava algo em determinado momento, com o tempo pode sofrer uma transformação de significado.

Pioneiro – Antigamente, todos os bebês usavam vestidos – tanto meninos como meninas. Hoje, é considerado uma vestimenta praticamente exclusiva das mulheres. E o rosa nem sempre foi uma cor “feminina”; antes era muito ligado à força, ao sangue, atributos tidos como masculinos. Como a moda reforça os estereótipos de gênero?
MCB – Quando você lembra que o rosa não era uma cor considerada feminina, é como no caso do moicano: existe uma construção cultural de significados. Se pararmos para pensar, a roupa é um objeto. As características intrínsecas a esses objetos são as características físico-químicas, o resto é construção cultural.

E isso é tão arraigado na nossa cultura que, quando eu vejo um vestido pendurado no cabide, ainda que esse vestido esteja fora da seção feminina da loja, de imediato associo o vestido com a ideia do feminino. Crescemos numa sociedade em que essa associação é tão forte que, ao ir ao banheiro em um local público, você vê as plaquinhas que mostram um corpo sem nenhuma marca, sem gênero, e outra que mostra o mesmo corpo, mas com um vestido, e esse corpo com vestido me indica que aquele banheiro é o feminino. Isso me confere uma segurança tão grande de estar entrando no banheiro certo que, se tem alguma outra coisa diferente como um chapéu ou um batom, também às vezes utilizados para marcar o que é masculino ou feminino, como foge um pouco do que se acostumou como padrão, já causa alguma confusão e pode exigir um tempo para pensar.

A moda realmente reforça, de modo geral, os estereótipos de gênero, ainda que muitas vezes ela também os questione.

“Uma moda que expressava algo em determinado momento, com o tempo pode sofrer uma transformação de significado.”

Em 2015, tivemos uma movimentação pensando no genderfluid. Por exemplo, a Selfridges, uma loja de departamentos londrina, criou um site só para falar de moda sem gênero, o genderless. No site, ela sugeria uma série de peças bastante andróginas, havia um espaço no site dedicado a esse editorial, citando uma curadoria especialmente para esse espaço sem gênero. Só que quando você entrava no site da loja para comprar, havia ali a divisão “masculino” e “feminino”, ou seja, mesmo quando as lojas fazem campanhas publicitárias para mostrar que estão quebrando com os padrões, esse padrão nunca é quebrado totalmente. A C&A fez o mesmo. Em 2016, lançou um vídeo com um rapaz de vestido falando da moda sem gênero. Mas no site oficial da loja, continua lá a divisão “masculino” e “feminino”.

Capa de livro de Maria Claudia Bonadio

Quem pode quebrar esse estereótipo é o consumidor, porque ele pode entrar no site e escolher algum produto independentemente se aquilo é pré-determinado para o outro gênero. Um homem pode comprar um vestido. Mas cabe a ele. Dentro da loja não interessa, provavelmente, romper essa divisão, já que isso pode espantar boa parte da clientela. No entanto, a loja de departamento permite uma circulação pelas seções que não é bem vista em outros tipos de loja. Por exemplo eu, mulher cisgênero, posso ir na Zara pegar uma roupa masculina e experimentar.

Pioneiro – A moda é uma manifestação espontânea, que vem da rua, ou está atrelada a movimentos políticos/sociais?
MCB – Você tem várias maneiras de algo virar moda. Por exemplo, a minissaia, que se popularizou nos anos 1960. Existe uma polêmica: quem inventou a minissaia? Foi a estilista Mary Quant, na Inglaterra, ou André Courrèges, na França? O filósofo francês Gilles Lipovetsky diz que, na verdade, quem “inventou” foi a rua. As meninas jovens passam a usar minissaia e a moda absorveu isso.

Tanto que a moda jovem dos anos 60 está muito atrelada a uma cultura juvenil da Inglaterra, especialmente de Londres. Lá havia ruas como a Carnaby Street, que reuniam jovens atraídos por novas formas de lojas, como as boutiques que vendiam roupas mais despojadas, mais acessíveis, que não são peças de alta costura. Não é que se “inventa” uma moda que seja de rua, mas existe uma cultura juvenil que nasce ao mesmo tempo em que se popularizam essas lojas mais divertidas.

Isto está ligado a uma mudança importante da cultura juvenil ligada ao pós-Segunda Guerra. O historiador britânico Eric Hobsbawm percebeu que a primeira geração do século XX viveu a Primeira Guerra Mundial; a 2ª geração viveu a crise de 29 (foi financeiramente muito afetada); a 3ª geração viveu a Segunda Guerra Mundial. Já quem nasceu após a Segunda Guerra Mundial viveu um mundo com aparentemente menos conflitos, porque você vai ter conflitos em lugares específicos, como o Vietnã. Mas isso não vai paralisar o mundo como um todo (de acordo com a perspectiva eurocêntrica). Os jovens norte-americanos e europeus acabam tendo mais tempo de lazer e possibilidades de consumo, porque ganham o próprio dinheiro e não precisam usá-lo para ajudar nas contas da casa. Então com mais tempo livre e dinheiro para gastar, esses jovens vão demandar uma roupa mais específica.

“A roupa é um objeto. As características intrínsecas a esses objetos são as características físico-químicas, o resto é construção cultural.”

Pensando-se nessa perspectiva, vemos que a minissaia é um anseio da juventude de quebrar os paradigmas. No caso, mostrar as pernas como nunca se havia feito antes. Ela vai surgir no mesmo momento em que a pílula anticoncepcional chega ao mercado, por exemplo. É uma época em que também passa-se a ter maior liberdade em termos de relacionamento (“faça amor, não faça guerra”), muitos países legalizam o divórcio, permitindo que as pessoas busquem uma satisfação pessoal etc. E isso reflete nas roupas. Ou seja, é todo um conjunto de transformações sociais que vão ocorrer ao mesmo tempo em que a minissaia ganha espaço.

A década de 60 carrega uma especificidade, porque sua moda ainda está muito atrelada aos anos 50 – uma mulher com saias rodadas, compridas, luvas e chapéu. Em um segundo momento, já após a explosão dos Beatles, de 1965 em diante, tem-se uma mudança muito radical nessas aparências. Está na moda não mais essa roupa que remete a uma mulher “comportada”, dona de casa, sofisticada, mas a essa jovem que desafia as regras. Não à toa, na sequência temos os movimentos contraculturais, como o movimento hippie. Os jovens começam a usar roupas de brechó, roupas usadas que de alguma maneira quebram a hegemonia da moda. Mas depois a moda vai lá e transforma a roupa de brechó, comprada fora do sistema, em moda.

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