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“O amor faz com que os filhos perdoem nossas falhas”, diz psicólogo Alexandre Coimbra Amaral

21 de fevereiro de 2020

Na manhã do último sábado (15) reuniram-se, no Centro Educacional Pioneiro, famílias, colaboradores, Conselheiros da Fundação Instituto Educacional Dona Michie Akama e convidados para a palestra do Escola da Família. O primeiro convidado do ano foi o terapeuta Alexandre Coimbra Amaral. Com o tema “Como ser uma figura de referência para crianças e jovens”, o psicólogo falou sobre vínculo, culpa, distracted parenting, telas, acolhimento e tantos outros sentimentos e experiências que acometem um cuidador, educador e/ou responsável por um jovem.

Alexandre Coimbra Amaral foi o primeiro palestrante da Escola da Família de 2020

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Sentimentos
Alexandre é terapeuta de famílias. Iniciou a palestra afirmando que, a seu ver, não existe nada mais desafiador na vida do que criar um filho. Por isso, uma palavra que simboliza esse estado é “autocompaixão”, principal sentimento de qualquer um que cuida de outro. Porque você nunca é quem gostaria de ser ou faz tudo o que gostaria de fazer. E essa identidade imperfeita leva, inevitavelmente, à culpa.

A culpa, segundo o psicólogo, gera vergonha, não conexão. Por isso, não devemos remoer a frustração de sermos imperfeitos. Na verdade, “o amor que os filhos sentem pelos pais/responsáveis faz com que eles perdoem nossas falhas”, disse Alexandre.

Um tema recorrente e que ele abordou com leveza foi a diferença entre autoritarismo e autoridade. Autoritarismo gera medo, enquanto a autoridade vem do respeito. Existe também a autoridade com crítica, que é caracterizada quando a criança respeita o adulto e tem a segurança de “enfrentar”, de se posicionar contra, muitas vezes com uma fala que podemos considerar “ousada”, mas que indica respeito e intimidade.

Estar lá
Ao falar de vínculo e teoria do apego (do psicanalista inglês John Bowlby), Alexandre mencionou que os pais, ao terem filhos, desenvolvem a ideia de exclusividade de vínculo, mas reforçou que isso não é verdade. É normal sentir ciúme, inveja e até culpa ao dividir o cuidado do filho com outra pessoa, seja alguém da família, um professor ou um outro cuidador. No entanto, é preciso se libertar dessa ideia exclusivista, porque criamos os filhos para o mundo.

Já ouviu falar de distracted parenting? É estar presente de forma ausente. O terapeuta de famílias sugeriu uma reflexão sobre nossos próprios hábitos, para pensar em como nos comportamos quando estamos com nossos jovens. Estamos conversando, dando atenção, interagindo, explorando o mundo, ou estamos absortos na tela de um smartphone? Cabe então reclamar que a criança “passa muito tempo vendo telas” se fazemos a mesma coisa?

A criança, segundo Alexandre, “presentifica” a vida, ou seja, ela entende e apreende tudo o que está lá. Se o adulto está ao lado dela, mas não está com ela, é como se ele não estivesse presente. É o famoso “assim não vale”. Aquele momento não valeu para ela, não conta como proximidade.

Tudo isso para dizer que ser mãe, pai, educador ou cuidador faz de nós eternos aprendizes. É preciso acolher essa condição, entender que tudo é um aprendizado e que não há manual de instruções. É com o tempo que a criação de uma criança e jovem se dará e, de fato, aprendemos com eles tanto quanto eles aprendem com a gente. “Para nossos filhos, é necessária nossa presença, não a nossa perfeição”, diz o psicólogo.

Entrevista
O psicólogo Alexandre Coimbra Amaral é mestre em psicologia pela PUC do Chile, professor universitário de graduação e pós-graduação em Psicologia e palestrante e coordenador de workshops e retiros terapêuticos em todo o Brasil. Atualmente, é psicólogo do programa “Encontro com Fátima Bernardes”, da Rede Globo. É idealizador, fundador e facilitador do Grupo Terapêutico de Homens há mais de dois anos em São Paulo. 

Tivemos o prazer de bater um papo com ele após a palestra e conversamos sobre vestibular, depressão em jovens e terapia em família. Confira o que ele pensa sobre esses assuntos.

Centro Educacional Pioneiro – Como saber o limite entre incentivar e pressionar um jovem na época do vestibular?
Alexandre Coimbra Amaral –
O parâmetro tem a ver com a cultura familiar e com o nível de expectativa que a família tem sobre o resultado da criança e do adolescente. Cada família tem um parâmetro, e ele próprio tem outro parâmetro. Às vezes, ele se cobra até muito mais do que os outros.

Primeiro, é importante existir esse diálogo sobre essas diferenças de expectativas.

Segunda coisa é pensar na saúde mental desse adolescente, porque a pressão existe na cultura: quantos candidatos por vaga, Enem, a pontuação que precisa, o número de vagas, as restrições que existem, querer estudar em uma universidade mas ela estar inacessível para mim etc. Há muitas pressões, mas a saúde mental do adolescente, nessa fase, é como se fosse um laboratório para as pressões da vida adulta. Quanto mais a família puder mediar essa relação dele com a ansiedade, com a ansiedade de desempenho, com a sensação de que não vai dar conta, com os medos do fracasso, melhor.

Na hora em que a gente perceber que ele está adoecendo por causa dessa pressão, que pode vir de nós ou da pressão social que existe nesse momento, é hora de dar um passo para trás. Porque inclusive para fazer uma boa prova, ele precisa estar bem da cabeça.

É preciso estar muito atento aos comportamentos mais ansiosos, que podem escalar nessa fase. Tem uma parte da ansiedade que é normal, é fruto do desejo de se transcender, de ser melhor a cada dia, é o que leva a gente para frente, que coloca a gente em movimento na vida. Mas tem uma outra parte da ansiedade que vai comendo a alma do adolescente, vai fazendo com que ele se paralise, sinta-se incapaz, e todo o esforço que ele fez ao longo de toda a jornada escolar pode se perder por causa da deterioração do corpo e da alma.

CEPioneiro – Como conseguimos identificar esses sinais na criança ou no jovem?
ACA –
Na realidade, a ansiedade é uma sensação crescente de uma corrida que não acaba. Um adolescente vestibulando uma vez me descreveu o que é a ansiedade para ele: “um elefante sentado em cima do seu peito, apertando-o, e isso diminui o ar. Então não tenho ar para continuar vivendo”. Em amplo aspecto, ele dizia. Então, é perceber se nosso filho está fazendo uma escalada dessa sensação de estar perdendo o ar, de estar perdendo o centramento. Isso cada criança, cada adolescente vai manifestar de uma forma, mas têm os sintomas típicos da ansiedade, que são insônia, taquicardia (aceleração dos batimentos cardíacos), bradicardia (diminuição da frequência cardíaca), sudorese. É físico.

CEPioneiro – Os casos de depressão e pânico aumentaram? Existe alguma possível explicação?
ACA –
Estão aumentando muito os quadros de pânico em adolescentes, e isso tem preocupado muito. O pânico é a ansiedade elevada à última potência. Na hora que ele está em uma crise de pânico, ele precisa ser acolhido, porque ele tem o medo de morrer. A crise de pânico é a sensação de morte iminente. O funcionamento do corpo começa a dizer “esse corpo aqui não está dando conta desse nível de pressão”.

Nós temos uma vida muito mais acelerada, e isso faz com que nosso corpo pare menos. Nosso corpo precisa de silêncio, precisa do sono, desligar. A gente não desliga, não temos mais momentos de vazio, de andar na rua, pensar, olhar para as pessoas, para a natureza, para os prédios, o que seja. A gente está sempre ligado, o cérebro sempre ligado. Temos muito mais tarefas, muito mais afazeres, muito mais coisas a cumprir no dia. Essa sensação pressiona o homem pós-moderno, leva o nosso cérebro a uma percepção de performance de que se está sempre atrasado, sempre devendo. A gente se aproxima de uma pessoa e fala assim “desculpa, eu não te mandei aquela mensagem”, “desculpa porque eu não te liguei no seu aniversário”. A gente está sempre se desculpando por coisas que ainda não conseguimos fazer, e olha que a gente está exausto, cumprindo uma quantidade de papéis maior do que as 24 horas do dia são capazes de comportar. E os jovens também, eles estão no mesmo funcionamento.

Isso é uma maior complexidade para a gestão da energia, do tempo e da saúde.

Agora, nossa função como pais e mães é perceber esse aspecto da saúde mental. Na hora que sentir que o filho não está bem, não esperar para procurar ajuda. Devemos conectar esse adolescente a algum serviço de ajuda. Porque às vezes não é você quem vai dizer a palavra que vai fazer sentido para ele, às vezes é um profissional. Acontece por exemplo de um professor falar a mesma coisa que você, e o jovem comenta “nossa, meu professor me ensinou uma coisa hoje”. Até dá raiva (risos). Mas a questão é que as famílias demoram muito para pedir ajuda.

CEPioneiro – O que faz as famílias perceberem que é o momento de procurar ajuda de um profissional?
ACA –
A terapia familiar é uma das possibilidades, mas pode ser individual, pode ser uma visita ao psiquiatra. Mas a terapia familiar acontece quando a relação está com problema. A gente percebe que as duas pontas da história estão com dificuldades. Todos os envolvidos precisam aprender juntos a funcionar de uma forma diferente.

Geralmente, as famílias que vêm para a terapia são encaminhadas por um dos membros da família, que fala “acho que a gente não está funcionando bem”, ou é uma instituição que encaminha.

Por exemplo, o adolescente vestibulando. O pai acha que tem que pressionar mais, a mãe acha que ele já está adoecendo, a avó está preocupada com o futuro dele… Então fazemos uma conversa para equalizar mais as expectativas sobre aquele adolescente e encontrar um denominador comum para que mais ou menos todos se sintam bem e ele consiga encontrar a saúde mental dentro daquela família.

Nessa fase do vestibular é impressionante como as famílias precisam de ajuda. Porque a gente se sente muito vulnerável, às vezes não temos os recursos para ajudar ou não sabemos como ajudar, não sabemos discernir muito bem um sintoma de saúde mental de uma certa preguiça.

E normalmente os jovens veem o vestibular como uma porta de entrada para a vida adulta, então eles usam o Enem como uma transição, um marco, um ritual de passagem. Para eles é muito importante. Se esse é o mundo que eles vivem e querem viver, devemos apoiar. Mas o que é novo na percepção das famílias é que não é a qualquer custo.

CEPioneiro – Você é pai de três meninos. O que você sabe hoje, com a sua experiência, que gostaria de ter sabido antes de ser pai? Algo que pudesse ter ajudado, de alguma forma.
ACA –
Eu gostaria de ter o entendimento, desde o primeiro dia, de que os desafios não são eternos. Passamos por um tempo acometido por uma pergunta com o filho e achamos que aquela dor vai ser para sempre, que não vamos sair daquilo. As pessoas até falavam “Calma, vai passar!”, mas eu queria saber por mim mesmo. A gente se angustia tanto que uma semana parece uma eternidade.

Por exemplo, tive um filho que teve muita cólica, e foram três meses de muito desespero porque a criança berra e não tem salvação. Você vai dar colo, cuidar, aninhar, mas sai acabado daquela experiência.

Me lembro muito dessa cena da cólica como um desenho do momento em que entendi que a dor do meu filho não me pertence, e eu não tenho capacidade de retirar as dores dele. Tive que me adaptar a essa condição de que eu vou estar ali para dar suporte para ele passar pela dor que é só dele. Mas isso eu demorei para aprender.

Gostaria de ter sabido essas coisas.

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