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Mario Sergio Cortella fala sobre família e ética no Pioneiro

22 de abril de 2019

O professor e filósofo deu uma palestra para pais e funcionários do Centro Educacional Pioneiro, na qual discorreu sobre ética e papéis da família e da escola

Foto: Ricardo Matsukawa

Na última terça-feira, 16 de abril, o Centro Educacional Pioneiro recebeu o professor Mario Sergio Cortella para a palestra “Ética, Indivíduo e Sociedade”, como parte do ciclo de eventos do Escola da Família de 2019. Um público de mais de 600 pessoas assistiu ao filósofo, em quase 1h30 de palestra, que abordou temas como coragem, papel da família e da escola na formação do aluno, diferença entre tradicional e arcaico e, claro, ética.

Cortella relembrou a história do Pioneiro, enfatizando que foi preciso muita coragem para Dona Michie Akama deixar o Japão e construir uma vida em um país desconhecido. “Coragem não é o oposto do medo”, relembrou. “Coragem é a capacidade de enfrentar o medo. Não ter medo é ser inconsequente e irresponsável”.

Sobre formação da criança e do jovem, ele pontuou que é responsabilidade da família educar o filho – a escola ajuda na escolarização, mas a família é quem educa. Mesmo em tempos tão corridos, quando facilmente usamos a expressão “não tenho tempo”, Cortella diz que tudo é uma questão de prioridade. “Tempo é prioridade. E prioridade não tem plural. Se você diz que tem prioridadeS, com ‘s’, então não entendeu o significado da palavra”, comenta. Filho ser ou não ser prioridade é, portanto, para Cortella, uma escolha.

Passar mais tempo com a família é, também para o Pioneiro, essencial. “Desconectar para conectar”, como foi enfatizado na nossa primeira reunião de pais do ano. A tecnologia invadiu os lares e por vezes substituiu a conversa, a convivência, a troca entre pais e filhos. “Não seja possuído pelo que você possui”, alerta o filósofo. Em outras palavras, o cuidado da mãe, do pai em relação ao filho é um exercício diário, e implica, inclusive, supervisionar o que ele faz na internet, com quem conversa, a que assiste. Afinal, “ética é a capacidade de proteger a decência”, segundo Cortella.

Após a palestra, o professor respondeu a algumas perguntas da plateia e concedeu uma sessão de autógrafos.

Veja fotos da palestra aqui.

ENTREVISTA

Antes de se dirigir à plateia que o esperava, o professor Mario Sergio Cortella dispôs de alguns minutos para uma entrevista com a equipe do Pioneiro. Confira como foi.

Pioneiro – Aqui na escola trabalhamos com nossos alunos valores como bondade e solidariedade. No entanto, em um mundo tão competitivo, em que o importante muitas vezes é “vencer”, quando um cidadão é formado para o bem, para ser bondoso, isso pode deixá-lo em desvantagem?

Mario Sergio Cortella – A única maneira de interromper essa lógica é formar pessoas que recusem essa lógica destrutiva. Não há uma perda. Só há uma perda se as pessoas nesta escola se renderem a essa lógica da destrutividade, da competitividade exacerbada, do exagero em relação à disputa.

Você pode se render e falar “vamos prepará-los para a guerra”. Mas aí será uma negação dos ideais dos fundadores, que desejavam uma cultura de paz, de convivência harmônica, valores de comunidade.

Acho que o pai deve se preocupar com isso. A grande questão é: “posso formar meu filho em meio à bondade? Como é que ele vai enfrentar este mundo?”

Foto: Ricardo Matsukawa

Uma das discussões que vieram à tona é a do home schooling, fazer educação em casa porque assim o filho não será “contaminado”. Mas ele não viverá a vida inteira em casa, a casa é só uma fase, um estágio. E quando ele for viver “em meio à contaminação”? Isso significa que a preparação não é para escapar do mundo, mas para ter uma presença nele na qual você recuse tudo aquilo que seja objeto de dano – dano para você mesmo e para todo mundo.

Por isso a escola deve persistir nesse ideal e acho que as pessoas reconhecem isso. Com 60 anos de trajetória, é sinal de que esse tipo de orientação é uma orientação vitoriosa.

PIO – Cada vez mais cedo as crianças são inseridas no mundo digital, mas isso gera preocupação por parte dos pais porque eles não têm acesso ao que os filhos estão vendo ou fazendo o tempo inteiro. Mas seria ético para o pai ou para a escola controlar o que eles estão fazendo?

MSC – O termo que devemos usar é mais ligado à formação pedagógica, não necessariamente “controlar”, mas “supervisionar”. É necessário que haja uma supervisão.

Quando eu era menino em Londrina, eu não era só filho da Dona Emilia e do Seu Antônio, eu era filho de todo mundo que estava ali. A Dona Aparecida, da janela da casa dela, gritava comigo. Havia um acompanhamento mais amplo de supervisão das crianças e jovens de maneira que houvesse um cuidado. Nesse sentido, é tarefa sim do pai e da mãe estarem acompanhando – não é impedindo, mas ordenando.

Não gostamos muito de algumas palavras porque a gente as teme, mas por exemplo, eu não temo a palavra “castigo”. Posso até dar outro nome, que é “responsabilização”. A gente não deve ter medo nem da palavra “responsabilidade” e  nem da palavra “supervisão”. Eu estou acompanhando, é necessário olhar. Você precisa também conversar de maneira mais próxima, precisa ter uma supervisão daquilo que eles estão vendo, conversar sobre aquilo.

Você não vai impedir que os jovens tenham contato com o que você não quer, tal como eu não impedi em relação aos meus filhos e netos que eles fossem para um mundo onde existe a perversão, a droga, a brutalidade. A questão é prepará-los para não terem o encantamento por isso.

Hoje há pais e mães que organizam sua agenda aos finais de semana  em função das crianças, como se um adulto tivesse de colocar seu tempo disponível para fazer com que a criança seja feliz um domingo inteiro. Se não tem o que fazer, ora, invente! Pegue uma batata, um palito de fósforo ou de dente, faça uma vaquinha e vá brincar.

Foto: Ricardo Matsukawa

Essa rendição que parte dos pais tem em relação aos filhos é danosa, porque não é desprezar esse mundo da infância, mas colocá-lo num patamar que não lhe cabe. Eu preciso reestabelecer, sem violência, sem nenhum tipo de agressividade, a subordinação. Meus filhos são subordinados a mim enquanto eu tiver sobre eles responsabilidade. Uma das coisas mais fortes dentre os valores, especialmente na comunidade nipônica, é a disciplina, o respeito à ideia de convivência, à capacidade de etiqueta nas relações. Isso não é malévolo.

Ter autoridade é diferente de ser autoritário.

PIO – Em seu livro “Família: Urgências e Turbulências”, o senhor diz que “a família não é democrática, ela é participativa”.

É verdade. Democracia pressupõe direitos e deveres iguais.

É como uma sala de aula: uma sala de aula não é democrática. Eu numa sala de aula sou autoridade. Ser participativo é outra coisa: eu consulto, dialogo, mas eu não me subordino. Isso vale num centro cirúrgico, numa autoridade de trânsito, numa organização de um parlamento. Eu e meus alunos estamos num pé de igualdade enquanto dignidade, mas eu sou autoridade nessa relação.

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