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Queimadas: professor comenta prejuízos econômicos e ambientais

28 de outubro de 2020

O aprendizado se faz mais significativo quando o conteúdo dialoga com a realidade dos alunos. Discutir temas atuais, como as queimadas no Brasil, além de ser importante para alguns vestibulares, é também uma maneira atraente e instigadora de atribuir sentido ao currículo estudado.

Professor Alexandre Dias

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Para discutir o avanço da agropecuária no Brasil, o professor de Geografia do Ensino Fundamental II, Alexandre Dias, utilizou-se de vídeos, sites, anúncios de propagandas federais e imagens de satélite. O assunto foi introduzido no ano passado aos 8ºs anos e retomado este ano, devido às notícias do aumento de queimadas no Centro-Oeste e na Amazônia brasileiros.

Ao analisarem mídia jornalística textual e audiovisual, mapas, imagens e documentários, os alunos puderam fazer uma reflexão crítica da situação da agropecuária e das queimadas no País, bem como estudar os fenômenos e implicações econômicas e ambientais envolvidas.

Para ajudar famílias e outros alunos a entenderem melhor essa discussão, conversamos com o professor Alexandre. Ele explicou sobre a importância de acompanhar o assunto, as consequências das queimadas para a biodiversidade e se é possível reverter o cenário.

Centro Educacional Pioneiro – O que são as queimadas, que tanto estão em pauta na mídia? Qual a importância de estudá-las/entendê-las?
Alexandre Dias – As queimadas são atos promovidos por grupos de fazendeiros com o objetivo de limpar a área para introduzir o gado na região. É importante lembrar que as queimadas são uma ação posterior ao desmatamento, e são utilizadas para eliminar as árvores derrubadas no chão para que o gado possa pastejar naqueles locais.

“É desnecessário desmatar e abrir novas frentes agropecuárias, porque o Brasil dispõe de cerca de 130 milhões de hectares de terras degradadas.”

A importância de estudá-las é principalmente para se garantir o combate ao desmatamento e a própria conservação da floresta e, assim, protegermos os ciclos naturais e ecossistemas e, principalmente, preservarmos os ciclos hidrológicos.

Qual a diferença entre queimadas e incêndios?
AD – Bom, em primeiro lugar, devemos entender qual a origem destes focos de fogo. O incêndio é classificado como fogo de grandes proporções e que ocorre de forma descontrolada. As queimadas estão associadas às ações humanas de substituição de biomas nativos por atividades agropecuárias, como florestas plantadas (monoculturas de eucaliptos), expansão da pecuária extensiva e atividades do agronegócio.

Existem estudos que apontam a existência de fogos naturais, principalmente no ambiente cerrado, mas que são raros e muito pontuais, ou seja, tem alcance limitado. Geralmente estão associados a momentos de extrema insolação prolongada, ausência de chuvas por longos períodos e podem ocorrer por combustão espontânea da massa seca sobre o solo. Os pesquisadores descartam este fator como grande gerador de focos de fogo.

Quais as principais causas das queimadas no Brasil?
AD – As queimadas no Brasil estão associadas às ações ilegais de limpeza, com fogo, de áreas florestais ou de cerrado com o objetivo de expandir atividades econômicas vinculadas à agropecuária, principalmente a formação de pastagens para introdução de gado, bem como a grilagem de terras, especulação fundiária, garimpo ilegal e invasão de terras indígenas e de comunidades tradicionais.

“É possível dizer que as queimadas são um passo importante contra o agronegócio brasileiro, porque afetam os acordos ambientais estabelecidos entre os governos.”

Este ano, o número de queimadas é realmente recorde/maior? Se sim, quais seriam os possíveis motivos?
AD – Sim, nos últimos meses foram alcançados os maiores índices de queimadas no Brasil em relação aos anos anteriores, conforme os dados registrados em imagens de satélites do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Para a região Centro-Oeste temos os seguintes dados organizados pela Divisão de Geração de Imagens do INPE[1]:

Agosto
2018 – 3.625 focos de queimadas
2019 – 11.187 focos de queimadas
2020 – 13.924 focos de queimadas

Setembro
2018 – 8.391 focos de queimadas
2019 – 18.222 focos de queimadas
2020 – 25.317 focos de queimadas

Outubro
2018 – 2.180 focos de queimadas
2019 – 4.984 focos de queimadas
2020 (até 15/10/2020) – 7.543 focos de queimadas

Se observamos o acumulado em um período de um ano, teremos os seguintes resultados:

2018 – 23.610 focos de queimadas
2019 – 50.195 focos de queimadas
2020 (até 15/10/2020) – 61.340 focos de queimadas

Portanto, concluímos que o aumento das queimadas na região Centro-Oeste pode ser comprovado cientificamente conforme análise das imagens de satélite e organizadas estatisticamente.

Quais são as consequências ambientais das queimadas?
AD – As consequências ambientais são muitas. Cito algumas: perda da biodiversidade, perda do equilíbrio dinâmico, desequilíbrio e extinção de ecossistemas, aumento da emissão de Gases de Efeito Estufa (o que contribui para o aquecimento global), redução da umidade na atmosfera e do índice de chuvas locais, comprometimento da formação dos rios voadores que abastecem com chuvas a região Sudeste e consequentemente a redução das chuvas nesta região, aumento do índice de doenças respiratórias nas áreas afetadas pela fumaça das queimadas (em 17 de setembro, foi registrado em Cuiabá um índice de Monóxido de Carbono  de 738 ppm (partes por milhão), enquanto que o máximo aceitável na atmosfera é de 50 ppm, segundo dados do Lapis – Laboratório de Análise e Processamentos de Imagens de Satélite, ligado à Universidade Federal do Alagoas) e, por fim, as queimadas contribuem para o processo de mudanças climáticas.[2]

Quais os biomas mais afetados e por quê?
AD – Nos últimos meses, os biomas mais afetados são os Biomas Cerrado e Amazônico, e isto se deve por serem, historicamente, as principais áreas de expansão das atividades do agronegócio. É importante lembrar que durante a elaboração da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, § 4º, o bioma Cerrado não foi classificado como patrimônio nacional, o que o deixou exposto à expansão das atividades agropecuárias. Estas terras eram consideradas aptas ao estabelecimento de atividades agrícolas mecanizadas, situação que se desenrolava desde o século XX, tendo como marco histórico a fundação de Brasília em 1960 e a consequente ocupação do Centro-Oeste. 

“É bem provável que os biomas atingidos nunca mais retornem às suas configurações originais. Mas isto não impede que haja a promoção da recuperação dos biomas.”

Já o Bioma Amazônico, principalmente suas formações florestais, durante as décadas de 1960, 1970 e 1980 era visto como atraso para o desenvolvimento econômico. Esta visão ultrapassada de desenvolvimento foi superada na década de 1990 devido ao aumento da consciência ecológica e sua importância para a manutenção do equilíbrio dinâmico da Natureza e, consequentemente, para nossa estabilidade socioambiental e econômica. Infelizmente, esta retórica ultrapassada de desenvolvimento ainda permeia o ideário de membros da sociedade e impulsiona movimentos e ações absolutamente contrárias ao que a comunidade científica, ambientalista e parte do capital produtivo e financeiro defendem na atualidade. Veja, nas imagens abaixo, alguns exemplos do discurso promovido nos idos das décadas de 1960, 1970 e 1980.

É possível a recuperação total do bioma após esse evento? Quanto tempo demoraria para Pantanal ou Amazônia se recuperarem, por exemplo?
AD – Certamente é muito difícil responder esta questão porque muito do que foi perdido nas chamas não era nem conhecido. A maior parte das espécies ainda são desconhecidas da comunidade científica, bem como não se sabe como ocorre a complexidade das relações ecossistêmicas. Portanto, é bem provável que os biomas atingidos nunca mais retornem às suas configurações originais. Mas isto não impede que haja a promoção da recuperação dos biomas. Em um primeiro momento, espécies vegetais e animais mais resilientes e rústicas ocuparão os espaços afetados pelas queimadas e promoverão as condições ambientais para a colonização das outras espécies e o surgimento de um ambiente mais diversificado e complexo. Mas é certo que determinadas espécies animais poderão levar décadas para novamente se estabelecerem nestes locais, tendo como exemplo grandes mamíferos como antas e onças.

“O bioma Cerrado não foi classificado como patrimônio nacional, o que o deixou exposto à expansão das atividades agropecuárias.”

As queimadas, atualmente, são um passo importante para o agronegócio brasileiro. Existem alternativas para tornar a prática do agronegócio mais sustentável?
AD – Na verdade, é possível dizer que as queimadas são um passo importante contra o agronegócio brasileiro, porque afetam os acordos ambientais estabelecidos entre os governos, bem como as diretrizes de compliance e de responsabilidade socioambiental assumidas pelas próprias empresas vinculadas ao agronegócio. As queimadas restringem o acesso de produtos brasileiros a mercados estrangeiros bem como inutilizam, ou melhor, destroem os recursos naturais importantes para a própria manutenção do agronegócio como, por exemplo, a redução da disponibilidade de recursos hídricos.

É importante ressaltar que atualmente é desnecessário desmatar e abrir novas frentes agropecuárias, porque o Brasil dispõe, segundo dados da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Instituição do Governo Federal)[3], cerca de 130 milhões de hectares de terras degradadas, o equivalente ao tamanho de duas França, e que poderiam ser recuperadas para as atividades agropecuárias. Portanto, o discurso de abrir novas terras e ampliar a fronteira agrícola é um discurso falível e sem amparo científico, como demonstram os dados produzidos por Instituições públicas vinculadas ao governo federal.

Sobre a questão de desenvolvimento de atividades mais sustentáveis do agronegócio é importante a mudança de paradigmas e o estabelecimento de um olhar diferente sobre os recursos naturais, como por exemplo não entendê-los apenas como recursos econômicos para a reprodução do capital, mas como elementos da Natureza vitais para a manutenção da vida. Seguindo esta proposição de um novo olhar, é possível perceber atualmente o potencial de sistemas agroecológicos de produção, bem como de sistemas agroflorestais, como fundamentais para a mudança das relações que estabelecemos com os elementos da Natureza e os fenômenos naturais. É possível reconhecer atualmente outras formas de pensar, olhar e interagir com a Natureza, entidade da qual também fazemos parte.


[1] Fonte:  http://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/portal-static/estatisticas_estados/ 

[2] Dados sobre emissão de particulados originários das queimadas podem ser conferidos no domínio eletrônico a seguir: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/09/23/quais-os-efeitos-da-fumaca-de-queimadas-na-saude.htm

[3] https://www.embrapa.br/agrobiologia/pesquisa-e-desenvolvimento/pastagens

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