Como o Pioneiro está discutindo o racismo nas aulas

26 de junho de 2020

O coordenador de Humanidades, Mário Fioranelli Neto, e o professor de sociologia e filosofia do Ensino Médio, Braian Matilde, falam sobre como a escola pode ajudar a combater o racismo

O assunto é antigo, mas ganhou força na imprensa e nas redes sociais após a morte do norte-americano George Floyd, no dia 25 de maio deste ano. Floyd, um homem negro, foi abordado pela polícia após utilizar uma nota de 20 dólares falsa em uma loja. Ele não apresentou resistência, mas o policial, um homem branco, se ajoelhou em cima de seu pescoço para imobilizá-lo e Floyd morreu asfixiado minutos depois. Desde então, o racismo virou pauta internacional e foram realizadas diversas manifestações antirracistas pelo mundo.

Coordenador Mário Fioranelli Neto (crédito: acervo Pioneiro)

Com o tema sendo discutido em todos os meios, é normal que os alunos queiram entender melhor a questão. “Os(as) alunos(as) trazem essas demandas e (o assunto) foi discutido de forma fragmentada”, diz Mário Fioranelli Neto, coordenador de Humanidades. “Conforme os temas das aulas permitem abordar a questão, vou puxando assunto com as salas para eles se manifestarem e ligarmos esse caso de violência com o tema que estamos estudando no momento”, comenta o professor de sociologia e filosofia do Ensino Médio, Braian Matilde.

Convidamos Mário e Braian para falarem como o racismo está sendo abordado nas aulas, se há um planejamento para tratar especificamente desse assunto, e como as instituições de ensino podem ajudar no combate ao preconceito e à discriminação raciais.

Pioneiro – A morte de George Floyd, nos Estados Unidos, desencadeou uma série de manifestações pelo mundo todo contra o racismo. Como os professores estão abordando o assunto nas aulas? Houve algum planejamento específico para tratar sobre isso?
Braian –
Durante as aulas, o tema do racismo aparece de maneira transversal. Em especial, quando leciono sociologia. As desigualdades sociais (econômica, cultural, política etc.) acabam sendo um eixo importante das aulas. Sempre que possível, utilizo de acontecimentos atuais para evidenciar esse tema. Isso acontece de maneira diferente em cada sala (no meu caso, aos três anos do ensino médio).

Ou seja, mesmo que em diferentes níveis, os problemas do racismo são trabalhados, ainda mais depois dos últimos acontecimentos. O planejamento contempla um estudo mais detalhado sobre isso, mas em determinados períodos letivos. Para não perdermos o fio da meada, vou trabalhando gradualmente os diversos assuntos sociais, como racismo, no decorrer do curso.  

“A expressão ‘normal’ não significa que o que está posto é o correto, mas que a sociedade brasileira se estruturou dessa forma e esse é o seu modo de operar.”

Mario Fioranelli Neto

Mário – Sim, pensamos em duas ações específicas.
6º ano: o projeto do bairro da Liberdade tem como um dos seus objetivos trabalhar a história não contada do negros na formação da nossa cidade. Antes de ser um bairro identificado com a cultura japonesa, a região da Liberdade tinha uma história ou histórias ligadas aos negros e isso está sendo resgatado. Não há o objetivo direto de falar sobre o episódio dos EUA (ele seria um pano de fundo), mas de falar sobre a nossa história.

Ensino Médio: no dia 7 de julho, das 14h às 16h, faremos um Aulão com o tema Racismo. Teremos a apresentação de alguns trabalhos de alunos(as) e, na sequência, trabalharemos com quatro abordagens: artística, histórica, geográfica e sociológica. O episódio dos EUA não será discutido e analisado, mas é fato gerador dessa discussão. Claro, iremos mencioná-lo, mas ao mesmo tempo queremos instigar a reflexão de que a globalização trouxe a discussão legítima sobre o racismo, ao mesmo tempo, temos que olhar para o nosso país e entender que há uma questão racial mal resolvida e precisamos debatê-la.

Professor Braian Matilde (crédito: acervo Pioneiro)

Pioneiro – Qual a diferença entre preconceito e discriminação? 
Braian – Apesar de serem bem próximos, e na prática serem praticamente inseparáveis, há diferenças entre essas concepções. Preconceito significa, literalmente pré-conceito, isto é, uma ideia previamente concebida sobre algo ou alguém. Acontece quando temos uma opinião sem haver informações suficientes para estabelecê-la. A ação baseada nesse preconceito pode incorrer em discriminação: alguém sai lesado devido ao preconceito alheio. Esse prejuízo pode ser verbal, político, econômico e, como noticiado, violento.

Pioneiro – Muito tem se falado sobre racismo estrutural. O que significa isso?
Mário – Falar em racismo estrutural é constatar que as relações sociais brasileiras são estruturadas a partir das questões raciais, ou seja, o “normal” das relações é o favorecimento de alguns grupos em detrimento de outros. Isso é claramente percebido nos dados demográficos brasileiros. Por exemplo, enquanto houve redução da violência contra a mulher branca (2003-2013), houve aumento contra a mulher negra no mesmo período. Outro exemplo, a população carcerária negra é proporcionalmente superior à quantidade de cidadãos negros no país. 

A expressão “normal” não significa que o que está posto é o correto, mas que a sociedade brasileira se estruturou dessa forma e esse é o seu modo de operar. Apesar da população negra brasileira ultrapassar a casa do 50% de habitantes, não causa estranheza a quase que completa ausência de negros no congresso nacional ou em altos cargos de gestão das instituições privadas, o “normal” é que esses espaços sejam ocupados por brancos.

O que se precisa refletir é que há uma estrutura social em funcionamento injusta e desigual e que, dependendo do lugar de fala ou observação, é pouco percebida (em geral, não sentimos essa estrutura desigual funcionando quando somos a parte beneficiada).

“Sempre que possível, utilizo de acontecimentos atuais para evidenciar esse tema”

Braian Matilde

Pioneiro – Qual o papel de uma instituição escolar no combate ao racismo?
Braian – Dentre as diversas posturas que a instituição escolar pode assumir, destaco a informação. Tanto as áreas destinadas formalmente a este estudo, quanto transversalmente, as diversas disciplinas devem valorizar a defesa dos direitos humanos. A escola também pode favorecer espaço de diálogo e discussão coletiva sobre isso. Porém, é igualmente importante a própria instituição botar esses valores em prática, favorecendo a diversidade em suas contratações.   

Mário – A escola é um dos principais espaços sociais de discussão, onde o assunto pode ser refletido por um longo período, de forma processual, não apenas por ações pontuais. Um outro ponto importante para ressaltar é a valorização de ações de combate ao racismo dentro da própria dinâmica das relações que ocorrem dentro da comunidade escolar.

Por conta do racismo estrutural, muitas vezes o ambiente escolar aglutina a convivência de determinados grupos socioeconômicos, o que reduz a convivência com o diferente. Assim, a escola precisa ser propositiva em suas propostas raciais, para que além da reflexão permita também o aprendizado por experiências vividas.

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